aruan mattos | flavia regaldo
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De Passagem
Aruan Mattos / Flavia Regaldo

2016

​Entre o Palácio das Artes e o Parque Municipal de Belo Horizonte existe uma cerca de metal em toda a extensão de encontro. Em De Passagem partimos de negociações com as instituições estadual e municipal para conseguirmos a permissão para instalar uma ponte entre as duas posições. A sistematização intangível, a burocracia, os lados inatingíveis. O tamanho da ponte talvez não meça a distância entre o parque e a galeria. E se a passagem é inalcançável, é na utopia que se idealiza projetos fabulosos para se chegar ao outro lado da cerca.

[1]
DESENHOS

[2]
EXPOSIÇÃO


[3]
INSTALAÇÃO


[4]

PUBLICAÇÃO
​
[5]
TEXTOS                                                                       

    ​  

         CANTO NÔMADE                                     >
         
Nian Pissolati

          GRADES
          
Francisca Caporali                                   

          PARQUE ABERTO: PORQUE NÃO
          
Fernanda Regaldo

          O DESEJO CODIFICADO >< A ARTE
          FUNCIONÁRIA: OS ESCRAVOS DE JÓ
          JOGAVAM CAXANGÁ!

          Adriano Mattos
          ENTRE CERCAS
          
Aruan Mattos . Flavia Regaldo


CANTO NÔMADE
NIAN PISSOLATI


​No que respeita à escrita, os nômades não tem necessidade alguma de criarem uma, e a emprestam dos vizinhos imperiais sedentários...


1. A partida...

Teve que tomar algumas precauções. Às pessoas da casa, proibiu de sair; às de fora, de entrar. Ele saía, sempre à mesma hora, para receber as provisões e dar as ordens aos capatazes. A vida dos que trabalhavam fora seguiu como antes; fugiu um peão, é verdade, mas não o teria feito para se salvar de uma disciplina terrível, e sim porque teria descoberto que ocorria algo estranho, algo que não podia entender e que por isso o intimidava. 

    E assim as muitas noites 
    Parec[ia]m uma só 
              ou no máximo duas: 
    sendo a outra
              a noite de dentro de casa    
              iluminada a luz elétrica
              A noite adormece as galinhas
              e põe a funcionar os cinemas
    os programas de rádio, provoca
discussões à mesa do jantar, excessos 

Dentro, como a ordem sempre tinha sido estrita, o sistema de repetições se cumpriu naturalmente. Ninguém fugiu; mais que isso: ninguém chegou a aparecer numa janela. 

(Há uma senha silenciosa graças à qual certas coisas conseguem passar pelo portão).

Todos os dias pareciam o mesmo dia. Era como se o tempo se detivesse todas as noites; era como se vivessem numa tragédia que se interrompesse sempre ao final do primeiro ato. Transcorreu assim um ano e meio. Ele se julgou na eternidade. 

Aos seus, não dizia mais que palavras corteses. Um boa noite, passe-me o açúcar, por favor, peço-lhes licença para me retirar. A casa era como uma metáfora dele mesmo. Os movimentos simulados e orquestrados não paravam, tampouco ocultavam - ainda que não deixassem revelar claramente - o que se passava. Prezava-se o comedimento. Jamais cometeu a indiscrição de admitir, principalmente a si mesmo, o medo que seu desejo de abandonar a cidade fosse recíproco – que ela desejasse abandoná-lo também. Ir embora por vontade própria seria bastante diferente do que ser expulso, do que capitular cabisbaixo frente a um adversário medíocre, ou, pior, do que ser visto como alguém em fuga. O que, no entanto, não alterava sua decisão: partiria. Chega-se a um ponto em que convém fugir menos da malignidade dos homens do que da sua bondade incandescente. Por bondade abstrata nos tornamos atrozes.

Das demais estratégias que deveria tomar, as principais pareciam ser as que diziam respeito a ele mesmo. Era necessário manter a superioridade que tem o que abandona sobre o abandonado, a lucidez do amante que se despede e que, a partir de um ponto iluminado e irresistível na linha do tempo, decide estar só. Garantir esse status antes da sua diáspora pessoal era, como se vê, uma questão incontornável. 

Já um ano e meio se passara dedicado à preparação. Na última noite, tomou um chá olhando pra o friso da janela da cozinha, pensando que mais do que desafiar a geografia, sua ida tinha o propósito de ser deslize no tempo: contabilizar horas, semanas, anos, exclusivamente pela sola do pé. Deitou-se já em madrugada avançada, toda a casa dormia. Ninguém se moveu depois. Ninguém voltou a dizer nada quando se ouviram os primeiros rangidos e a porta começou a ceder, pressionada por uma força descomunal. Ouvia-se, dentro, como o arquejo de uma fera encurralada. 

O rapaz que sumiu de manhã não retorna.
Pendurou sua pá, ainda fria, no gancho
- na alvorada -, e ninguém se animou a segui-lo:
abalou para certas colinas. ...
Ninguém
se animou a segui-lo. Era um dia gelado
... em que os troncos parecem de sangue
ressecado. Ninguém pressentia na brisa
o futuro calor.

(Os homens que viram o mundo – dizem – tornam-se muito desembaraçados, cheios de segurança social. Nem sempre, contudo: Ledyard, o grande viajante de Nova Inglaterra, e Mungo Park, o escocês, não se sentiam nem um pouco à vontade na sala de visitas. Mas talvez a mera travessia da Sibéria num trenó tirado por cães, como Ledyard fez, ou uma longa caminhada solitária, de estômago vazio, pelo negro coração da África, para resumir os trabalhos [de]... Mungo – esse tipo de viagens ... pode não constituir o melhor modo de alcançar um alto verniz social. Entretanto, na maioria dos casos, ele é obtenível em todos os lugares). A máxima, mesmo romântica e irônica, era para ele isto mesmo, inescapável. Faltava experimentá-la em vida. Dava-se aí o início da jornada.

2. ...da cidade partida

                A manhã transcorreu;
operários, mulheres, são soltos da fábrica.
No sol lindo, há os que – em meia hora o trabalho
recomeça – se estendem famintos e comem.
Mas se sente a umidade que morde no sangue,
com um verde arrepio na terra.

Ia dizendo consigo: - o sobrenatural existe dentro de nós. A vida com Deus é hipócrita, sem Deus é cínica. Passavam homens e mulheres. Tinham todos no rosto uma estupidez triunfal e cruel. 
Em limousines perfeitas, as senhoras dos grandes ricos exibiam, belas e risonhas, a sua vérmina insolente de prole – meninas espigadas em sedas, meninos morenos e desdenhosos. A cidade toda movia-se, rodava. Maníacos, sonhadores vencidos, faziam também trotar na ciranda os esqueletos vergados e velhos, sem perceber a inutilidade dos seus gestos de pressa.  

Os primeiros passos na própria cidade pareciam como os de um animal atordoado. As sensações lhe subiam sem intervalo, da letargia à excitação. Novamente, uma nítida impressão de estar vogando no mar. As sucessivas fases do transe lembram uma viagem marítima, a vida numa cabine. É evidente, trata-se do mundo visto por trás de um vidro. Forma-se agora uma espécie de teia. Tudo se confunde com um fundo negro, como nas gravuras de má qualidade:

O espantalho da morte, os cafés-cantantes do além, o naufrágio da mais lúcida razão no sono, a opressiva cortina do futuro, as torres de Babel, os espelhos de inconsistência, a intransponível parede de dinheiro borrifada de miolos, estas imagens penetrantes da catástrofe humana talvez sejam apenas imagens. Tudo indica a existência de um certo ponto do espírito, onde vida e morte, real e imaginário, passado e futuro, o comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo, cessam de ser percebidos como contraditórios. 

Pensava com alguma ponta de alegria,
Agora sim
Me enfio nessa pele de seda elástica
e saio a correr mundo

Momentos depois já se escuta o barulho nítido das máquinas, o bater fofo das palhetas, o badalar metálico do sino, o conjunto em suma, dos rumores nascidos das usinas flutuantes que são as naves marinhas do século XX.

3. Virar mundo

Das viagens, dos lugares, há muito o que contar mas pouco se pode reter pela construção do edifício palavra gráfica. A escrita existe em função da lei, a lei habita a escrita; e conhecer uma é não poder mais desconhecer a outra. Toda lei é portanto escrita, toda escrita é índice de lei. Os grandes déspotas que servem de marcos para a história no-lo ensinam, assim como todos os reis, imperadores, faraós, todos os Sóis, em suma, que souberam impor aos povos a sua Lei: sempre e por toda a parte, a escrita reinventada proclama de pronto o poder da lei, gravada na pedra, pintada sobre as cascas das árvores, desenhadas nos papiros. É por isso que a paradoxal tarefa de constituir um apanhado de marcha nômade pela escrita se mostra desde o princípio trabalho fracassado. Aliás, o que dizer deste termo, criador-criatura da produção? O trabalho é uma causa motriz que se choca contra resistências, opera sobre o exterior, se consome ou se dispende no seu efeito, e que deve ser renovado de um instante a outro. A ação livre também é uma causa motora, mas que não tem resistência a vencer, só opera sobre o próprio corpo móvel, não se consome no seu efeito e se prolonga entre dois instantes. Seja qual for sua medida ou grau, a velocidade é relativa no primeiro caso, absoluta no segundo (idéia de um perpetuum mobile). O que conta no trabalho é o ponto de aplicação de uma força resultante exercida pela fonte de ação sobre um corpo considerado como “uno” (gravidade), e o deslocamento relativo desse ponto de aplicação. Na ação livre, o que conta é a maneira pela qual os elementos do corpo escapam à gravitação a fim de ocupar de modo absoluto um espaço não pontuado.

O que se pode intentar, então, é a captura de instantâneos dos traçados da cobra, que desliza e não para – a empresa, portanto, não é de caçada à víbora, mas de tateio do que passa, didática do vestígio. 

Dois dias de viagem apartam um homem – e especialmente um jovem que ainda não criou raízes firmes na vida – do seu mundo cotidiano, de tudo quanto ele costuma chamar seus deveres, interesses, cuidados e projetos. O espaço que, girando e fugindo, se roja de permeio entre ele e seu lugar de origem, revela forças que geralmente se julgam privilégio do tempo; produz de hora em hora novas metamorfoses íntimas, muito parecidas com aquelas que o tempo origina, mas em certo sentido mais intensas ainda.Tal qual o tempo, o espaço gera o olvido; porém o faz, desligando o indivíduo das suas relações e pondo-o num estado livre, primitivo;  chega até mesmo a transformar, num só golpe, um pedante ou um burguesote numa espécie de vagabundo. Dizem que o tempo é como o rio Lete; mas também o ar de paragens longínquas representa uma poção semelhante, e seu efeito, conquanto menos radical, não deixa de ser mais rápido. 

E os dias invariavelmente tornam-se semanas, que constroem meses. Os que chamava seus - cujos laços, com a soma dos quilômetros andados, afinava-se de maneira irreversível - viram um dia chegar uma carta estranha, curta e que dizia tudo sem dizer nada.

O que lhe[s] dizer desta cidade cheia de árvores, que se estende longe, mas oferecendo sempre o aspecto fechado de um bairro de janotas? Os andares não ultrapassam o segundo, e as ruas logo se fecham. Aqui a arquitetura é fútil como a vida; escolas de Belas-Artes em toda parte, pois somente os arquitetos diplomados em Paris trabalham aqui. Embora banal, não é feia... Os olhos não se detêm nem nos perfis conhecidos, nem nas guirlandas sabidas de cor. Estão inteiramente livres e entregam-se aos ídolos que passam; ... é domingo a semana toda...

O tempo passa, as distâncias aumentam, cartas como essa tornam-se raras. É como se o estampido das cores vividas em seus olhos lhe fizesse cada vez mais mudo. Como quando tudo tornou-se desesperadamente verde. Era manhã. O ar estava abafado, quente. O excesso de umidade indicava que, muito em breve, o navio chegaria à selva. Estavam todos prostrados nas espreguiçadeiras do convés. Em silêncio. 

Começa agora a floresta cifrada

!

O terreno tomou bem depressa aspecto selvático. Às grandes florestas, sucederam-se os matagais de tamarindos e de palmeiras anãs. Em seguida, planícies extensas e áridas, eriçadas de arbustos diversos e cobertas em certos pontos de grandes blocos de sienitos... No decurso deste dia, foram vistos poucos animais, apenas alguns macacos, que fugiram fazendo mil caretas e contorções. A distância percorrida durante o dia foi de quarenta quilômetroass. Nenhum incidente assinalou esta noite. Alguns rugidos de lobos, tigres e panteras, misturados com gritos agudos dos macacos, perturbaram por vezes o silêncio. Às seis da manhã tornaram a por-se a caminho.

Mas reproduzir os traços daquele que erra é custoso, 
- alma copiada pela geografia.

O que se sabe é que a partir dali torna-se demorada a viagem que até esse ponto se realizava rapidamente, em linha quase reta. Há delongas e complicações. É como lhe havia previsto o velho ribeirinho, diante do lago branco, em língua geral (que teve que aprender quase que por tateio, já que em trabalho não mais acreditava: a preocupação absoluta era viver):

“A floresta não gosta de ser interrogada. Claro que há também o lado mau, claro que sim. Durante anos e anos a lagoa acumulou tais venenos de matar peixes, suportou tanta pólvora e tanta autoridade que queima quem se atreva a ofendê-la”.

Caminhava então, perto das fronteiras com Colômbia e Venezuela. Andava do igapó ao chavascal, mas não tinha a empáfia de o fazer inadvertidamente, nem sozinho. Todo chavascal fica longe. Para ir a ele, é preciso andar muitas horas na terra firme, tomando distâncias dos beiradões. No chavascal só se caminha com água pelas canelas. Uma água escura. Preta, mesmo. Você não vê, mas vida pulula dentro do chavascal. Uma vida sorrateira e silenciosa. Escorpiões, caranguejeiras, sapos venenosos e cobras que se esgueiram entre as raízes suspensas de árvores tristonhas. É sombrio, úmido, quieto e lúgubre. Você sente que está nos domínios de uma entidade malévola, tremenda, abissal. Os índios não lhe pronunciam o nome, para que não acorde. Nem mesmo quando estão fora do chavascal. Não, não é o curupira, não senhor. Não vou dizer o nome.

Foi então que algo mais profundo lhe aconteceu, mas não saberia colocá-lo em palavras. Elas eram-lhe cada vez mais pesadas, o que fazia com que aos poucos ele as fosse deixando de lado, perdidas nos pântanos, nas rochas em que descansava, requentadas pelos pedaços de sol que ultrapassavam as copas verdes e negras, nos igarapés que aprendeu a atravessar. Já não usava sapatos porque depois de alguns anos os pés curtiram-se com a mata. Mais que isso, era como se para viver fosse necessário que a pele estivesse constantemente coberta pela terra.

São os bichos que sentem o tempo, e o rapaz
o sentiu na alvorada. 
... é que a terra
toma tudo.

4. A tarde esticou a asa vermelha

Convivia agora com o que não entendia, com aquilo que não podia prever ou ver, mas sentir. Certas noites era mais penoso por nem sempre conseguir segurar o medo entre as mãos, como aprendeu. Nesses momentos de transbordo, não podia fazer nada além de ficar muito quieto, muito miúdo, do lado de um fogo fraco que persistisse durante a madrugada.

A noite e a veia dos pássaros no pulso alado e negro
Do bosque! 

Asas de morcego vibram no ar, pios de coruja se entrecruzam, e um assobio fino, sinistro, que entra pela alma, corta o espaço, deixando os caboclos aterrados de pavor, batendo o queixo de frio. Examinam aflitos a escuridão em redor, entreolham-se sem fala, gelados de medo, e volvem à beirada, tiritando de febre, assombrados. É que tigre preta vinha perto... A onça engoliu num átimo légua e meia de terreno porém isso vinha que vinha acochada pelo tigre. Faziam um barulhão tamanho que os passarinhos estavam pequetitinhos pequetitinhos de medo e a noite mais pesada por causa que não podia andar. E a bulha inda era assombrada pelos gemidos do noitibó... Noitibó é Pai da Noite, moços, e chorava a miséria da filha.

Foi a boiúna, a cobra grande, a mãe-d’água que criou tudo aquilo, alucinando naquele horrível pesadelo as pobres criaturas. Mas os sonhos seguiam sendo passo cardinal das andanças. Era como percorria paisagens ainda mais distantes de tudo o que sua pele já vira: “Há uma trilha coberta de neve que leva para dentro do êxtase. Essa trilha é a morte”. 

Mirava atentamente a escuridão e lhe parecia que, através de milhares de verstas desse negror, avistava sua terra natal, sua província, seu distrito, via as trevas, a barbárie, a crueldade e a indiferença obtusa, implacável e bestial das pessoas que deixara lá; sua visão nublou-se com as lágrimas, mas mesmo assim continuou a olhar para longe, onde a muito custo viam-se brilhar as luzes pálidas do vapor, e o coração se apertou de saudade de sua terra, e ele teve vontade de viver[.] 

Sentia uma moleza, uma ligeira ansiedade como se estivesse na beira de um portal que por algum motivo, não ia ser transposto, e a ansiedade e a moleza vinham de não poder atravessá-lo e sentir-se bem assim. Machucado, confuso, com todos os papéis em desordem, o pente quebrado, as camisas sem botões, sacudido por um vento que lhe arrancava pedaços de tempo, de cara, de vida morta, aparecia mais uma vez, mais profundamente, à porta encostada e infranqueável a partir de onde talvez alguma coisa fosse possível com mais direito, nascesse dele e fosse sua obra e sua razão de ser, quando deixasse atrás tanta coisa que julgara aceitável e até necessária. Mas ainda estava longe.

Voltou-lhes as costas, começando a palmilhar a longa estrada noite adentro, sob a claridade da lua e das estrelas.

Epílogo

Livro, agora você chegou ao fim. Ultimamente, tenho escrito em ritmo acelerado. De uma linha para outra pulava entre as nações, os mares e os continentes. O que será esta fúria que se apossou de mim, esta impaciência? Dir-se-ia que estou à espera de alguma coisa. O que mais posso esperar além de novas páginas a serem escritas...


PÉ DE PÁGINA
Este texto é um erro narrativo: uma andança por terras literárias que experimenta sua composição a partir da apropriação de trechos de escritas de autores aqui reunidos livremente. 

Escritas Percorridas

Andrade, Carlos Drummond de. Passeios na ilha – divagações sobre a vida literária e outras matérias. São Paulo: Cosca Naify, 2011.

Andrade, Mário de. Macunaína – o herói sem nenhum caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1978.

Andrade, Oswald de. Os condenados. São Paulo: Círculo do Livro. s/d

Bioy Casares, Adolfo. O perjúrio da neve. In: Histórias fantásticas. Tradução de José Geraldo Couto. São Paulo: MEDIAFashion, 2012.

Bopp, Raul. Cobra Norato e outros poemas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

Benjamin, Walter. Haxixe. Tradução de Flávio de Menezes e Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Editora Brasiliense, 1972.

Breton, André. Segundo Manifesto do Surrealismo (1930). In: Manifestos do surrealismo. Tradução de Luiz Forbes. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

Calvino, Ítalo. O cavaleiro inexistente. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Cortázar, Júlio. Os prêmios. Tradução de Glória Rodrigues. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.

Clastres, Pierre. Da tortura nas sociedades primitivas. In: A sociedade contra o Estado – pesquisas de antropologia política.Tradução de Theo Santiago. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

Deleuze, Gilles; Guatarri, Félix. 1227 - Tratado de Nomadologia: A máquina de Guerra. In: Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia, vol. 5 . Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1997.

Cuenca, J.P. Antes da queda. In: Granta 9. Rio de Janeiro, Objetiva, 2012.

Gullar, Ferreira. Poema Sujo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.

Le Corbusier. A viagem do oriente. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosa Naify, 2007.

Mann, Thomas. A montanha mágica. Tradução de Herbert Caro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

Márquez, Gabriel Garcia. Nabo, o negro que fez esperar os anjos. In: Olhos de cão azul. Tradução de Remy Gorga, Filho. Rio de Janeiro: Editora Record, 1974.

Melville, Herman. Moby Dick. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: abril Cultural, 1983.

Morais, Raimundo. A boiúna e o Irapuru. In: Histórias e Paisagens do Brasil – I. Os Rios e a Floresta – Amazonas e Pará. São Paulo: Editora Cultrix, 1963.

Pavese, Cesare. Trabalhar cansa. Tradução de Maurício Santana Dias. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

Pires, José Cardoso. O Delfim. Lisboa: Moraes Editores, 1971.

Pissolati, Nian. Cantos nômades. In: De Passagem, Aruan Mattos; Flavia Regaldo. Belo Horizonte: 2016.

Pozzobon, Jorge. Branco estúpido. In: “Vocês, brancos, não têm alma” – histórias de fronteiras. Rio de Janeiro: Beco do Azougue; São Paulo: Instituto Socioambiental, 2013.

Sabino, Fernando. O grande mentecapto. Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Record, 1980.

Stigger, Verônica. Opisanie swiata. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

Tchekhov, Anton. O assassinato e outras histórias. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Abril, 2010.

Thomas, Dylan. No sono campestre. In: Poemas Reunidos: (1934-1953). Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

Verne, Júlio. A volta ao mundo em 80 dias. Tradução de Vieira Neto. Guanabara, São Paulo: Editora Matos Peixoto, S.A, 1965.

> GRADES | Francisca Caporali


> PARQUE ABERTO: PORQUE NÃO | Fernanda Regaldo


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