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De Passagem
Aruan Mattos / Flavia Regaldo

2016

​Entre o Palácio das Artes e o Parque Municipal de Belo Horizonte existe uma cerca de metal em toda a extensão de encontro. Em De Passagem partimos de negociações com as instituições estadual e municipal para conseguirmos a permissão para instalar uma ponte entre as duas posições. A sistematização intangível, a burocracia, os lados inatingíveis. O tamanho da ponte talvez não meça a distância entre o parque e a galeria. E se a passagem é inalcançável, é na utopia que se idealiza projetos fabulosos para se chegar ao outro lado da cerca.

[1]
DESENHOS

[2]
EXPOSIÇÃO


[3]
INSTALAÇÃO


[4]

PUBLICAÇÃO
​
[5]
TEXTOS                                                                       

    ​     
          O DESEJO CODIFICADO >< A ARTE
          FUNCIONÁRIA: OS ESCRAVOS DE JÓ
          JOGAVAM CAXANGÁ!                      

          Adriano Mattos                                                        >
          ENTRE CERCAS
          
Aruan Mattos . Flavia Regaldo


          GRADES
          
Francisca Caporali

          PARQUE ABERTO: PORQUE NÃO        
          Fernanda Regaldo


          CANTO NÔMADE
          
Nian Pissolati

O DESEJO CODIFICADO >< A ARTE FUNCIONÁRIA: OS ESCRAVOS DE JÓ JOGAVAM CAXANGÁ! ADRIANO MATTOS
+
ENTRE CERCAS ARUAN MATTOS . FLAVIA REGALDO


Em meados de 2015, fomos convidados a participar do projeto SIMBIO a ser realizado na Galeria Mari´Stella Tristão no Palácio das Artes. Nossa proposta inicial: instalar uma ponte que ligasse o Palácio das Artes ao Parque Municipal. O convite ainda carregava uma provocação livre, produzir o trabalho junto a outros colaboradores de maneira coletiva. 

A partir daí, convidamos Adriano Mattos a trabalhar conosco. Por sua vez, Adriano estendeu o convite aos seus alunos do Grupo de Pesquisa e Extensão da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, Arquitetura e Tradução. Assim iniciamos a parceria na concepção e produção da Ponte.

Em seguida Adriano e seus alunos instigados a refletirem o projeto e a parceria, produziram um ensaio questionador dentro da academia. Logo desencadeou-se um debate textual entre nós e a vontade por publicar os textos de maneira que um atravessasse o outro. De prontidão, já começamos por aqui com a escrita informal de Adriano retirada de uma troca de emails:

       Um escrito provoca o outro...
       ... assim se desencadeia uma série de argumentos que ganham força e voz quando se contrapõem, somam-se, 
       sobrepõem-se uns aos outros.

Creio que o formato de conversa-diálogo multiplicado (e olhe que o texto que enviamos já é oriundo de muitas vozes), como o adotado por Paul Valéry, em EUPALINOS OU O ARQUITETO, ganha consistência com o andar acalorado do debate entre Sócrates e o discípulo Fedro, - um e o outro se esfolam, desviam, deslizam, enganam, se acertam, puxam tapetes e se somam na empreitada.

Sugiro uma formatação para a publicação, diagramada onde os textos se sobreponham... conversem, se ataquem e se somem,  abrindo para o leitor experimental brechas e falhas para ele também se meter na escrita.

Assim seguem os textos rearranjados de maneira livre e ensaísticas. De modo que por vez ou outra pode-se perder a referência de onde vem a provocação. 



LEGENDA PARA LEITURA:
​O DESEJO CODIFICADO >< A ARTE FUNCIONÁRIA: OS ESCRAVOS DE JÓ JOGAVAM CAXANGÁ!
ENTRE CERCAS


__________________________



De Passagem arrisca transpor fronteiras instituídas entre entidades que se afirmam: uma promotora da ARTE - o PALÁCIO DAS ARTES, e outra conservadora da NATUREZA - o PARQUE MUNICIPAL. Vizinhas no centro de Belo Horizonte, as duas entidades são separadas por uma grade e por regimentos e regras tensionadas de funcionamento.

O desafio de transpor a grade de 2 metros e poucos centímetros de altura fica irrelevante diante do empreendimento em superar as diferenças entre estas duas instituições – reconhecidas em nossa cidade como AUTORIDADES no que tange a ARTE e a NATUREZA. Tais ENTIDADES PROPRIETÁRIAS são bastiões no sustento da ordem e de uma espacialidade homogênea definida pelo excludente e pelo exclusivo. O propósito ganha tons heróicos quando as dificuldades para a realização de uma singela “ponte”, capaz de transpor a grade e conectar as duas ENTIDADES, revelam inúmeros entraves técnicos e burocráticos. Tal quase despretensiosa intervenção, ingênua e ao mesmo tempo irônica nos seus princípios compositivos, ganha ares de um filme épico como o é FITZCARRALDO de WERNER HERZOG. Encenação esta que conta a saga de um visionário irlandês que, na segunda metade do século 19, luta por fabricar gelo em meio à floresta amazônica para financiar o projeto grandioso de construir um teatro de ópera no meio da selva, e que seria inaugurado pelo tenor italiano ENRICO CARUSO. No filme, depois do personagem encarnado por KLAUS KINSKI ser trado pelos barões da borracha como um “conquistador do inútil”, Fitzcarraldo decide de modo obcecado e sozinho empreender tal missão. Para tanto é necessário fazer um barco transpor uma montanha acima para alcançar o leito de outro rio amazônico (fato que foi empreendido literalmente, no meio da selva e com o sacrifício e o esforço de cerca de 270 indígenas, pelo não menos obcecado diretor do filme: WERNER HERZOG). Em sua missão civilizatória, disposta ao estabelecimento de uma conexão colonizadora entre a ARTE e a NATUREZA, Herzog e seu personagem, desejam alucinadamente levar à selva amazônica a ARTE MAIOR da ÓPERA e do CINEMA. Ápice épico desta empreitada revela o ator KLAUS KINSKI ensandecido, com seu terno branco se sujando progressivamente da terra e da água barrenta do rio amazônico ao longo do filme, sustentando um gramofone tocando CARUSO no meio da selva na tentativa de apaziguar os índios e a natureza selvagem da Amazônia. Uma esperança alucinada, manca e frágil, revela um homem insignificante perante a prenunciada ruína de uma pretensa civilização dominante. 

Na abertura da película FITZCARRALDO, sobre o plano de um olhar distante projetado sobre a floresta amazônica, o cineasta anuncia ao espectador ou viajante desatento: (...)”os indígenas chamam este território de Cayahuari Yacu, ‘a terra onde DEUS não terminou a criação’. Eles acreditam que só somente quando o homem for extinto DEUS voltará para terminar o seu trabalho”.

Chamados a produzir uma obra “contemporânea” e “colaborativa”, os dois artistas se vêem confrontados com a necessidade de laudos e aprovações técnicas em variadas instâncias normativas: um laudo de risco do Corpo de Bombeiros, um laudo de autorização da Fundação Clovis Salgado (gestora do Palácio das Artes) e um laudo da superintendência de Parques e Jardins (gestora do Parque Municipal), um laudo técnico de engenharia acerca da responsabilidade sobre a estrutura do objeto proposto, um laudo de aprovação do IEPHA (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico)...

Se o contemporâneo é o “intempestivo”: “um acerto de contas com o seu tempo, tomar posição em relação ao presente” (como anunciado por NIETZSCHE e desdobrado pelo pensador italiano GIORGIO AGAMBEN no ensaio O QUE É O CONTEMPORÂNEO?), nos deparamos na atualidade civilizatória de nossa comunidade com o regramento e a codificação da nossa contemporaneidade. E assim pautamos por uma sociedade homogênea ‘empoderada’ e ‘ditadora’ das normas para a nossa sobrevivência, ou seja, que nos impõe o princípio de que somos incapazes de habitar singularmente e experimentar o PRESENTE.

Se nós imaginávamos que a ARTE CONTEMPORÂNEA, pelos próprios significados intrínsecos a estas duas palavras, se faria “intempestiva” e propositora de “diferenças”, anunciante de outros modos de habitar o PRESENTE e de escavar o FUTURO, deparamos com o oposto: moldou-se o ARTISTA como um sujeito FUNCIONÁRIO de uma “máquina civilizatória”, parte de um programa que codificou os seus desejos e interditou as possibilidades de experimentação das fronteiras estabelecidas por tal pacto civilizador.

É aí que o artista se dá conta de que se encontra só e restrito ao isolamento do seu próprio aquário então instituído.... (tentamos aqui, como anunciado por FLUSSER, ensaiar uma escrita não alfabética, propositora de outros modos de leitura que não o texto linear feito de palavras encadeadas: propomos ÍCONES que possam ser diversamente manipulados por quem se atrever a reflexionar sobre a arte contemporânea – sugerimos que o leitor recorte estes ÍCONES e tente montar de outros modos a equação aqui assim diagramada). 

 Imagem

No caso da instalação proposta, os artistas desenvolveram uma série de possibilidades de abordagem para o aquário ao qual foram submetidos. Parte de uma geração de artistas que vieram ao mundo já castrados e limitados pela interdição de seus desejos e experimentos no PRESENTE, os dois acalentam no LÚDICO a possibilidade de sobrevivência para um FUTURO. Entendendo o LÚDICO, ao contrário do que seria o contemporâneo anunciado por AGAMBEN e seus amigos: como sendo uma aderência ao tempo presente sem dele tomar distância. Pratica-se então uma terapia ocupacional? Talvez uma espécie de distopia alienante como a de FAHRENHEIT 451 de Ray Bradbury: onde os bombeiros queimavam os livros, - proibidos por possibilitarem um tempo de reflexão crítica e assim representarem uma ameaça ao sistema, para que então as pessoas se contentassem com televisores exclusivos de paredes inteiras em cômodos especiais, onde podiam se divertir e interagir com personagens chamados de “família”.

E assim podemos ‘fugazmente’ brincar-jogar com os ÍCONES codificados na instalação proposta pelos artistas: (propomos também, como no diagrama anterior, que estes ÍCONES possam ser diversamente manipulados) 
​

 Imagem
E não nos resta dúvida: a ironia nos tiraniza. Nossa difusa ironia cultural é, ao mesmo tempo, tão poderosa e tão frustrante porque é impossível saber com clareza o que quer um ironista. 
Trecho de Ironia de David Foster Wallace

Conscientes, porém não convencidos, que no debate da arte vez ou outra o crítico e o artista devam perpassar pelo requinte da ironia, seguimos a discussão. Do objeto ao texto, pergunta-se: qualquer atividade se torna apenas em um exercício para a tradução nas palavras? Não chegaríamos ao incauto de espernear a Terapia Ocupacional dada a anulação das coisas na sua aplicação a tudo ou quase tudo. Não sendo nós uma instituição cercada, voltamos às nossas tarefas Fitzcarraldianas junto à discussão proposta. E, pensando bem, é bom cogitar que uma obra inocente acenda discussões em tantas instâncias duras.

Após o convite a participar da exposição no Palácio das Artes e a decisão pela instalação da ponte sobre a grade, abrimos uma cadência de infindáveis burocracias. De antemão, sabíamos que a partir desse dispositivo entraríamos aos repetidos caminhos já não-humanos que a sistematização havia solidificado. Uma imagem poderia mais ou menos simplificar a empreitada: um documento só pode ser avalizado mediante a apresentação de outro documento que, por sua vez, só pode ser avalizado mediante a apresentação de outro documento e, assim, se repetindo sistemática e infinitamente. Ou outra imagem ainda mais aflitiva: um primeiro documento só pode ser avalizado mediante a apresentação de um segundo documento que, por sua vez, só pode ser avalizado mediante a apresentação do primeiro documento, como num ciclo impossível de se fechar.  Soma-se a isso reuniões pouco esclarecedoras que – para voltar à referência literária de Calvino na abertura desta publicação – punha tudo num plano conciliatório, vago e procrastinador. Ainda, inocentes acordos verbais sendo desfeitos sem vergonha. A imagem da lama de Fitzcarraldo não é errada. Essa que dificultava os passos deixando-os mais lentos e que em seguida ajudava o navio deslizar em recuo livre e desalentador os poucos metros que havia conseguido avançar.

Se já não podemos mais habitar a residência primeira das coisas, por não mais ser possível acessá-las em seu frescor, nos contentemos com um “simulacro” do mundo. A idéia de “simulacro”, engendrada pelo pensador da cultura Jean Baudrillard e considerada por muitos como um dos fundamentos do que se nomeou como “pósmodernismo”, criticava e definia como “residência segunda” das coisas certas configurações arquitetônicas. Como por exemplo: os parques seriam a “residência segunda” da natureza, os shoppings e hipermercados a “residência segunda” das mercadorias e do comércio, os museus a “residência segunda” das obras de arte, e as diversas telas, às quais somos levados a manusear todo o tempo, como sendo a “residência segunda” da nossa imaginação. E sendo assim, já não há mais espaço em nosso cotidiano para existirmos e experimentarmos no PRESENTE.

E deste modo se configuram os PALÁCIOs DAS ARTES e os PARQUEs MUNICIPAIS, - cada um por si, PROPRIETÁRIOS instituídos como promotores guardiões das ARTES e da NATUREZA, uma RESERVA TERRITORIAL que as faz suportar com naturalidade as crises e assim se mantêm sustentadas pelo direito de PROPRIEDADE :
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Quando uma obra assume a posição de utópica, ela pode parecer estar admitindo ao mesmo tempo que a proto-ação não foi capaz de instaurar a novidade (e que ela é lá um pequeno clarão), mas que a perduração do movimento mantém o ruído. Está aí a pecha do utópico, aparentar inocente, histérico ou careta. Se a história da arte ocidental é lembrada a partir de abalos sísmicos, é natural que a crítica se respalde nesses e se esqueça do movimento do cupim ou da entropia. A gabarolice terapêutica talvez seja só falta de poesia.  

Porém, talvez justamente por intentar a caminhada Fitzcarraldiana, adentrando nos labirintos das sólidas engrenagens, o empreendimento tenta se aproximar mais do utópico-concreto que o do acomodado ocupacional. E Escavar o futuro, diferente do movimento do passado para o presente, não passaria a ser justo um movimento do presente para o futuro? A livre passagem entre o objetivo e o subjetivo pode acabar escondendo o que é um e o que é o outro - um ofuscando o outro? Se a narrativa do empreendimento revela as latentes estrias, o próprio empreendimento poderia conduzir um rebolado às cercas invisíveis. 

Existem três pilares em De Passagem: 

I – a instalação da ponte sobre a cerca; 

II – a série de desenhos fabulosos; 

III – a documentação para a realização da ponte. 

I - Uma ponte sobre um portão com cadeado é uma figura antagônica e paradoxal. A imagem que deveria ser de união, livre passagem e encurtamento de distâncias parece apontar para o seu oposto. Justamente pela incompatibilidade da cerca com a ponte, a instalação aponta para uma distância simbólica maior que a física. Daí a união indica a separação; a livre passagem, a interrupção; a proximidade, o alargamento. Um trecho dévio e repentino que adocica os delírios descontraídos dos sedentos pelo encontro e circulação livre.

II - É sempre bom fugir da ironia vazia do ponto de vista ou do ponto de partida. Dessa maneira, atentar para o lúdico como um jogo auto-irônico, pode camuflar também um sentimento sincero do cidadão comum, apequenado pelas forças ordenatórias. Ou o cidadão comum é proibido de entrar na instituição?

Deste modo, produzir hoje o que ainda intentamos nomear como ARTE CONTEMPORÂNEA, a partir de um território-repertório assim limitado e por demais exauridos, tornou-se um grande desafio para os jovens que aspiram ao reconhecimento como ARTISTA. Identificar frestas no domínio, sobras estreitas de solo, retalhos não mapeados, fronteiras esgarçadas, falhas no sistema codificado do mundo contemporâneo... - recantos revelados e ainda não domesticados são esquadrinhados e rapidamente apropriados pelas instituições PROPRIETÁRIAS de plantão. E uma vez desveladas, domesticadas, capitaneadas e reproduzidas à exaustão, estas miudezas que aparentavam um alento de frescor, são rapidamente degustadas, consumidas e catalogadas. Tais aparentes “originalidades”, aparente “transgressões” do modelo instituído, rapidamente são transformadas em verbete no ATLAS das artes (que o diga DIDI-HUBERMAN). São prontamente naturalizadas. Naturaliza-se o que fora alardeado e publicado como alguma “novidade”. Enquadra-se o artista com o crachá de mais um FUNCIONÁRIO da arte.

Uma grade verde separa o PARQUE MUNICIPAL do PALÁCIO DAS ARTES. Resta aos escravos jogarem CAXANGÁ: tira, bota, põe... __deixa o Zé Pereira jogar! Guerreiro com guerreiro fazem ZIG ZIG ZÁZ!

Como um ato LÚDICO anunciante da espera de outra ou CONTRA-CIVILIZAÇÃO que por ventura chegará para substituir ou superar (se é que esta seja uma operação possível) a separação entre ARTE e NATUREZA, entre o PARQUE MUNICIPAL e o PALÁCIO das ARTES, joguemos CAXANGÁ: à espera desta CONTRA-CIVILIZAÇÃO anunciante de outro modo de habitar e conceber um território compartilhado entre os homens e as radicalmente outras existências habitantes deste mesmo planeta.

Ou seria tal grade apenas uma MIRAGEM para entreter nossos corpos e mentes? Uma ARMADILHA para capturar e apaziguar o pulso que ainda teima em pulsar? Em desejar o EXPERIMENTO?

Detentora do paletó, do livro, da galeria e, por isso mesmo, da crítica, a pequena-grande instituição também detém uma pretensiosa seriedade mórbida e age, mais uma vez, através de suas desqualificatórias cercas hierárquicas. O grande palácio com suas roupas de festa e exposições sérias. Palácio fechado em sua cerca para os que não fazem parte da seriedade, que fecha as suas portas no horário da feira e anula o encontro. Desqualificar a massa significa acatar a alienação. Mas as possibilidades de fuga parecem tão simples quanto atravessar uma ponte. 

III - A narrativa da empreitada cumpre a previsão do estorvo. Nas linhas infinitas de permissões, a literatura fantástica abre um sorriso ao revés.

Nesse sentido, os corredores Kafkianos, poderiam ser a primeira lembrança de uma empreitada alucinadamente atravancada. Porém, a curiosa referência bíblica à Jó, através do inventivo jogo Caxangá, justapõe o movimento paciente e degradante desse personagem, ao vivido pelo personagem de Klaus Kinski em Fitzcarraldo. Ironicamente, é de se lembrar do episódio em que os amigos encontram Jó e acabam por interromper uma esperançada retomada, ou ainda, acender a desesperança inerte.

O propósito astuto do dispositivo irônico testa as FRONTEIRAS? Ou se trata de mais uma requentada prática terapêutica? Trata-se de uma esbarrada capaz de esfolar a lisura impenetrável das INSTITUIÇÕES PROPRIETÁRIAS detentora da propriedade sobre a ARTE e a NATUREZA? Ou é um dobrado perverso e tangente anunciante de mais um brinquedo para compor o nosso parque de diversões contemporâneo?

Respaldado pela tese a ser defendida pelo arquiteto e artista Breno Luiz Thadeu da Silva, que trata da pretensa “homogeneidade” contraposta à “heterologia urbana” e da “interdição da experiência nas cidades”, e também referenciado pelo pensador francês Georges Bataille acerca da “experiência”, podemos refletir que pior do que a homogeneidade imposta ao espaço nomeado e projetado nas cidades é a homogeneidade de concepção ou das idéias sobre a vida neste território comum. Tarefa esta que substitui, em toda a parte, os objetos exteriores, ou o radicalmente outro, por séries e ou regras classificatórias, excludentes e exclusivas.

Como se a dobra surgisse espontaneamente na perversa lisura da retórica. 

Em outros tempos, ou outras bocas, a arte se auto-proclama como protagonista. Uma inocente, ou vívida, eluição esquece da naturalização das temáticas pelas disciplinas generalizadas, que são fagocitadas por uma sistematização endêmica. Mas se o sistema tende para a naturalização de qualquer impulso, dentro dos termos de apropriação e re-apropriação – tão apontados em contra-culturas de rua e em suas impossibilidades de serem “contra” ou “de fora”  ou somente de gerarem um frescor, um ar, um respiro – se somos todos funcionários da ordem, inclusive através de possível desordem, como dialogar? O diálogo é impossível? Sampleando a pergunta da nossa parceria: Pior que a insistência, não seriam as regras classificatórias? A mesquinharia da aspiração por um reconhecimento institucional é objeto latente e conduzido em migalhas pelo tirano. Assim, as regras classificatórias insistem em perdurar e as grades continuam a ser levantadas junto a placas com letras garrafais: Aqui só entra a alta arte.


> GRADES | Francisca Caporali

​
> PARQUE ABERTO: POR QUE NÃO? | Fernanda Regaldo


​> CANTO NÔMADE | Nian Pissolati

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