aruan mattos | flavia regaldo
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AINDA QUE DURA
Aruan Mattos / Flavia Regaldo

​2019

VISTAS

MONOTIPIAS

MARCOS

PAINÉIS

OBRAS


TEXTOS
​
     BELO HORIZONTE,
     SUAS SERRAS E SUAS PEDREIRAS


     HIATO 

     GRAVE O HORIZONTE          >

​LIVROS

AINDA QUE DURA é uma pesquisa desenvolvida sob o olhar da paisagem montanhosa de Belo Horizonte. Partindo da matéria mineral para a relação histórica da cidade com suas montanhas, pedreiras, morros e serras, o trabalho apresenta 3 linhas de pesquisa relacionadas a 3 cinturões da cidade:

1 - A Avenida do Contorno, traçado fundamental da cidade planejada

2 - As Pedreiras originárias, de onde se extraiu a Matéria Primeira da Nova Capital: Carapuça, na regional Leste; Acaba Mundo, Centro-Sul; Morro das Pedras, Oeste; Viação Prado Lopes, Noroeste; Lagoinha, Nordeste

3 - A serras que circundam Belo Horizonte - em constante mutação pela expansão da cidade - tendo a Serra do Curral como a borda mais imponente

A matéria que alimenta a cidade aparece nas pedras de monotipias, gravuras monocromáticas de tiragem única desenvolvidas em variações e séries.

Em outro momento, são inseridos marcos topográficos - chapas de bronze entalhadas - nas proximidades das 5 pedreiras relacionadas. A partir das suas coordenadas, traça-se virtualmente o desenho do seu polígono para, em seguida, se encontrar o centro deste. Nesta nova marcação é instalado um novo marco, indicando o primeiro centro geográfico da capital segundo a perspectiva das pedreiras.

​Em paralelo, são percorridas todas as ruas dispostas dentro da Avenida do Contorno e mapeados todos os pontos em que as Serras aparecem - geralmente nas frestas entre as edificações da cidade. A partir daí é realizada uma série em serigrafia destas vistas.

GRAVE O HORIZONTE

Nian Pissolati Lopes
A linha que faz o horizonte anuncia a gravidade

O traço constante, vário conforme a hora do dia, é de algum modo o que nos atém a um limite (nítido porque a distância disfarça o opaco) entre o que há de sólido, líquido, gasoso ou vamos lá, plasmático, entre as substâncias que por aqui circulam, nessa esfera imperfeita que é a terra cheia de água, porque assim alguém a chamou e assim um tanto de outros repetiram, sabe-se lá por quê, na realidade tenho aqui como hipótese, que é por certo lugar-comum (que, ato-contínuo, é como nós nos conseguimos dizer seja o que for), é que terra é, quer queira, quer não, aquilo que é limite – e limite porque faz sentir, pensar, agir, perceber e todos os verbos que se pode erguer sobre um lugar tido por estável (a imperfeição do adjetivo há de ser problematizada adiante) –, mas está claro que limites são vários, como várias são as substâncias, as crenças e o limite do limite, isso tudo pra falar que não se pode caminhar por sobre águas ou, vamos lá outra vez, aqueles que conseguem não somos nós, os que afirmamos que sentar, apertar o botão on do computador, abrir um editor de texto e escrever sinais de uma língua para que alguém leia, seja no fim das contas uma outra terra, um outro limite que faz com que cantemos, andemos, morramos, compartilhemos seja o que for.

Então, para começar outra vez, já que estamos de acordo que isso que escrevo é pedaço de terra, e tem perímetro, de onde torna-se lícito criar um começo, aspirar a um meio e tentar um fim, poderia dizer que o traço constante que desenha e cria o horizonte é o encontro inquieto, desenho contingente porque subsumido a todos os fatores que nós, os que não nos mantemos sobre águas, fazemos enumerar, e explicar, e decifrar, porque daqui o que mais sabemos criar são cifras para que sejam quebradas, dilaceradas, enfim, para que possamos subir no alto de alguns metros sustentados por milhares, centenas ou dezenas de nós mesmos e gritemos aos quatro ventos que está descoberta a lei das cifras (de duração declinável conforme os próximos tamponamentos e novas aberturas), escondida sabe-se lá onde, quando na realidade sabe-se bem que está e sempre estará guardada em nós mesmos, onde mais poderia estar, e nem todas as nossas insônias acumuladas poderiam travesti-la.

Portanto, para começar novamente este texto em queda, porque incerto, sendo que, se há certeza, há queda, já que, veja bem, são poucas as substâncias, pelo menos aquelas visíveis para nós, os que acreditamos na terra, que deixam de cair se têm por sob seu peso – a relatividade do peso é assunto para outra cifra – o ar, esse inconfundível nada que nos se faz notar de maneira tão improvável que optamos por não dar importância, mas é o tato que nos permite experimentar o ar quando em movimento, esse sentido tão distante da cifra, e talvez seja por isso que a música, essa cifra maior porque não somente cifra, se utilize dele para espalhar-se por todas as direções e ultrapasse barreiras ditas físicas, como o muro, a parede da casa, da sala, do quarto, o armário, o travesseiro, e entre pelo ouvido numa manhã de sábado, ultrapasse o tímpano e percorra cavidades, membranas, células e líquidos, mesmo você estando há alguns quilômetros de qualquer aparelho ou humano ou animal ou máquina ou coisa que emita barulho – mas isso obviamente é um exagero, porque o silêncio é cifra vislumbrada (extraindo desta conta poucas dezenas (?) de humanos que puderam estar fora dessa bola imperfeita que alguns de nós chamam terra, mesmo sendo a bola quase que água, assim como água somos nós, talvez haja ali o silêncio, nesse nada que nos é pronunciado como o intransigente vácuo) – e é ainda a música que, movendo-se por sobre o ar, quando grave, toca a pele, e não mais apenas os tímpanos, e a faz vibrar, portanto é o som, que tem como uma das pontas a cifra, que se mostra muito maior e lhe produz sensações táteis tão próximas de um empurrão, que não deixa de ser empurrão porque sutil, e é também a mesma música, que quando de encontro com a água, esse entreposto a meio caminho da terra e do ar, sugere ondas centrífugas num espetáculo plástico e simétrico que se esvai ainda harmônico até que deixe de existir para nós, os que entendemos a eletricidade, o logaritmo e o bóson de Higgs.

E como já era de se prever, já que detemos a arte de cifrar o decifrável para decompô-lo adiante, proponho começar novamente o texto, porque também como poderia ser antevisto, esse extrato de palavras tenta ser pluma, isto é, quer fugir da única certeza que poderia ter – e que na verdade tem, o que acaba por transformá-lo num grande capricho, como capricho é toda e qualquer cifra que inventemos, incluindo na conta a única, a última, a primeira, a vidamorte –, que nada mais é que o fim, seja ele satisfatório ou não, encerre ele algo ou não (e obviamente a negativa é a resposta), como se, sobrevoando o nada, ganhasse tempo (cifra criada para nos entediar), tomando como estradas os caminhos de ar que porventura possam ser criados e, como tal, fazer desvios e inventar rotas que seguem dízimas intraduzíveis (ainda que nunca promissoras a ponto de escaparem da metalinguagem), pelo menos para boa parte de nós, aqueles que acreditamos nas cifras, mas só até certo ponto, muito antes de elas se tornarem o mundo, como o são para aqueles que brincam com a ponta do lápis ou com os pontos luminosos do binarismo infinito de seus computadores, reduzindo e engrandecendo exponencialmente os astros e o que há fora e o que há dentro, no momento que fazem deles ilustração de seus números, e digo sua porque são muito poucos os que poderiam seguir esses caminhos, como escassos são aqueles que enfim detêm uma certeza tão absoluta sem justificá-la enquanto fé.

E para contradizer uma previsível lógica do texto, digamos que estamos no meio de um argumento, mesmo ainda não tendo saído do lugar, o que é grave, porque dentre as magias que nós, não só aqueles que nos chamamos humanos, mas uma porcentagem significativa das substâncias que estão nessa bola imperfeita que é a terra, para não dizer a própria terra e por que não tudo o que já conseguimos dizer como existente e para além dela, e portanto já não digo grande parte, mas tudo, tudo é energia, donde que é mudança, o que faz do estático sinônimo da inexistência, e, portanto, nós, que aqui estamos neste instante, em toda extensão cabível na imensidão, não provamos nem de longe o estável, e daí a necessidade de criá-lo, porque está nessa categoria de aspirações em que há pouco colocávamos o silêncio. E para propor uma torção pressentida, poderia salientar que enquanto uma aspiração é negativa porque em última instância se abstém dos afetos, a outra é positiva por ser antes de tudo ligação (não restrição) existindo inclusive dentro da própria música e por sobre os encadeamentos de notas que puxam notas, em construções erguidas exclusivamente do que se crê ser o cheio e o vazio.    

E já que desfalcado do silêncio e do estável, este texto só pode fazer algo, que é cair na terra, e cair, veja bem, implica consumo de energia e, portanto, a troca é começo meio fim, possibilidade de existência, porque bastaria um ínfimo ponto, uma substância homeopática qualquer a recusá-la para que se materializasse o estacionamento, e pelo o que de dentro de nossa cabeça miúda podemos ter é como afirmar o impossível, o que nos permite afiançar que a existência é transformação, e que o comprometimento é o avesso do estático.

E para caminhar no terreno do meio, essa terra que me é por direito, porque d(n)ela eu criei uma concatenação de signos, mas sem preocupação com origens – direito portanto de escarafunchá-la, nada mais -, por acreditar que existe um tempo calculável para que um computador possa ordenar todas as palavras, maneirismos (e intenções) de uma língua, neste caso nosso bom e velho português (e estrangeirismos aqui e acolá), e criar um texto idêntico, e talvez uma ganância menor mas que faz bem ter, é pensar que a humanidade não tenha tempo suficiente para que outro ser humano possa sentar e escrever um texto tal qual esse que sai dessa eletricidade (que é consumo de energia) que acontece na câmara escura (que é minha cabeça) que faz com que meus dedos escrevam, escrevam, e meus olhos leiam e descubram sobre algo que nem mesmo eu sabia, mas veja bem, se não sou eu, quem mais poderia ser?, então a pergunta certa não é quem, mas o quê, e a resposta que minha própria cabeça pode dar (baseada no que outras cabeças deram, numa trajetória infinita, como a peça de dominó que cai invertida no tempo, desencadeando um descaminho indefinível, e vai parar sabe-se lá onde, porque isso até hoje nós não pudemos explicar) é que é a eletricidade, é a energia que explode e se torna cifra que caminha para baixo.

Cifra-elétrica-binária que se constrói por conta própria, no sentido de que propriedade é uma dessas invenções que alguém não pode se ater por muito tempo ou mergulhar por muito fundo porque restrita à questão da escala, e basta uma lupa vagabunda para mostrar que as misturas, as diferenças, os vínculos  e para repetir uma conclusão, os comprometimentos, fazem da propriedade uma falsa questão.

E já que se concatenaram caminhos que não querem se explicar é possível ordinariamente negar o afirmado há pouco, admitindo que a única certeza da escritura, da qual ela não só não foge como não faz outra coisa senão buscar, é o fim, encontro com o chão (e que, portanto, todas possibilidades e curvas e vai e vem são o caminho mais curto para se chegar lá).

​Donde, finalmente, nos aproximamos do ponto central desse círculo imperfeito que é o texto: a gravidade.

Um corpo atrai outro e faz a existência existir. Estamos ainda permeando a argumentação que há pouco consumia-se para explicar a energia. Mas é grave aquilo que tem peso e, como tal, vai de encontro a tudo que o ar não sustenta. Ou digamos, sustenta em espaços de tempo que não nos dizem respeito, porque a realidade é mais uma questão de escala. Vê-se e faz-se acontecer em grandezas amplamente variáveis.

Donde finalmente chego ao começo e digo que o horizonte, essa linha certa, que nos toma as vistas, e nos faz ver um encontro, inteiramente inconstante porque sua agudeza limita-se a espaços de tempo que a nós, humanos, são insignificantes, porque da ordem dos segundos ou dos minutos, é o indício de que o encontro é possível, que é ele quem faz a terra ser terra, é a linha que evidencia que para que algo possa cair, foi preciso que criássemos o céu, que sabe-se lá porque até hoje não desabou sobre nossas cabeças e, que finalmente, toda essa massa de ar, invisível (uns dias mais, outros menos), circundada por outra massa de gás, e que faz, no fim das contas, com que a folha descolada da árvore chegue ao chão. E por que não dizer,
​


​grave é o horizonte,

que faz enfim o limite.

E por que não repetir


​grave é o horizonte,

que faz ainda o limite.
​
E por que não deixar-se levar pelos caprichos da língua:


​grave horizonte.

​
​E para suspender este palavrório, grafia do chão, tem-se que o azul e suas variações assumem uma importância improvável para além da teoria da cor, porque é ele, ou mais precisamente sua duração, que permite o vislumbre do limite e as linhas possíveis e desviantes e, portanto, o fundo, descoberta do arco da velha, é forma, e daí saber que o azul é terra, que o ar é terra, que a água nega a terra para que ela exista e a queda é a possibilidade do encontro que é energia e justifica o ponto que só existe para ser outra coisa adiante.
-
Nian Pissolati Lopes é antropólogo
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